Cícero Mouteira
É certo que no Brasil, depois que nos tornamos signatários do Pacto de São José da Costa Rica, a única hipótese de cadeia por dívida, ou a ser a famosa prisão do devedor de pensão alimentícia.
Isto não quer dizer que não tenhamos outros métodos para cobrar de forma eficaz um devedor inadimplente (com perdão do quase pleonasmo). Existem métodos eletrônicos como a “penhora online” que bloqueia valores em contas bancárias atreladas ao F ou CNPJ do devedor. Porém sempre há a tradicional penhora do patrimônio como, por exemplo, veículos, imóveis e outros bens que venham a satisfazer a dívida.
Aqui, algum leitor amigo leigo e desavisado pode acreditar que “bem de família” é aquela joia ada de avó para neta que representa uma tradição familiar. Nada disso! Para o Direito, bem de família é o imóvel próprio e residencial, protegido da maioria das cobranças e execuções judiciais, destinado à moradia do casal e/ou de sua entidade familiar, conforme reza o Art. 1º da Lei nº 8.009 de 29 de março de 1990:
Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
O Parágrafo único do dispositivo legal anteriormente transcrito ainda protege as plantações, ferramentas de trabalho e os bens móveis (cama, guarda-roupas, geladeira, fogão, TV, micro-ondas, entre outros) que guarnecem o bem imóvel.
E nem adianta falar que você usa o seu automóvel para trabalhar (salvo taxista e afins – vide Art. 833, V do C), os veículos e outros objetos de valor (p.ex.: obras de arte) não estão legalmente amparados contra eventual penhora por dívidas:
Art. 2º Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos.
Parágrafo único. No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário, observado o disposto neste artigo.
Evidente que a impenhorabilidade não é regra 100% blindada contra toda e qualquer cobrança ou execução, havendo exceções, todas bem elencadas no Art. 3º da Lei:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(…)
II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;
(Redação dada pela Lei nº 13.144 de 2015)
IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Ou seja: cuidado ao ser fiador! Não fique devendo IPTU! Não atrase as parcelas do financiamento do sonho da casa própria! Não seja executado por pensão alimentícia!
Por fim, o Superior Tribunal de Justiça na Súmula 364 já esclareceu que apesar de a Lei mencionar o bem de família como o patrimônio próprio e quitado do “casal”, o conceito de família é interpretado extensivamente para pessoas que eventualmente vivam até mesmo
sozinhas ou fora do modelo de moral e cívica: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.”
NOTA DE REDAÇÃO: Cícero Beserra Mouteira é advogado, professor universitário e de cursos de pós-graduação e Assessor Jurídico da PMMG. Bom Carnaval a todos!