Maria Solange Lucindo Magno
Não há como esquecer e nem devemos. Em dezembro de 2019, a OMS recebia alertas sobre casos preocupantes de pneumonia na cidade de Wuhan, na China. Causou enorme inquietação no mundo, pois havia risco de disseminação, o que de fato aconteceu com viajantes que retornavam a seus países.
Inicialmente, nós do Brasil, fomos céticos achando que não seríamos atingidos, que era uma realidade distante de nós.
A esta altura, o mundo já estava em alerta máximo com a propagação do novo coronavírus, que deu origem à Covid-19. E o pior: as notícias divulgadas eram de que as pessoas contaminadas morriam em sua maioria, pois o vírus era totalmente desconhecido, agressivo e a medicina não sabia como combatê-lo. Os mais vulneráveis eram os idosos, pessoas com comorbidades e os imunossuprimidos. Em 26 de fevereiro de 2020 foi detectado o primeiro caso no Brasil. Um homem que voltou de uma viagem à Itália estava com a doença. Pronto, foi o pontapé inicial para que os casos começassem a aparecer em pontos diferentes.
A partir daí a vida de todos foi alterada. Havia medo, desesperança, mortes e muita dor. A vida parou. O mundo parou e os dias se tornaram todos iguais. Prejuízo total, mudança de planos e incertezas para o futuro. Consultas médicas foram desmarcadas, cirurgias suspensas, a população teria que ficar em casa. Um inimigo invisível ameaçava a todos.
O ministro da saúde à época dava entrevistas coletivas todas as tardes, explicando à população em minúcias o que estava acontecendo de forma didática. Apesar de assustados, ficávamos bem informados. Fomos orientados a lavar as mãos com frequência, a usar álcool em gel, a não levar para dentro de casa roupas e calçados que foram utilizados na rua. O que era comprado deveria ser limpo antes de entrar em casa. E, principalmente, FICAR EM CASA.
Lembro-me de que havia viajado em janeiro e estava cheia de expectativa para o lançamento do meu livro “Escritos Com o Coração”. Pensava que aquela situação seria uma breve pausa. Que engano! Aquilo se transformou em um imenso pesadelo. Cirurgias foram canceladas, casamentos, viagens. Tudo parou, muitos perderam o emprego, negócios faliram e muita gente teve que se reinventar para sobreviver. Foi quando várias pessoas descobriram talentos que não sabiam ter. Ainda assim, depois de concluir que tão cedo não voltaríamos à normalidade, eu lancei o meu livro comemorativo de aniversário em 29 de agosto, através de uma live. Aliás, muitos artistas adotaram lives para não pararem de todo. E teve gente que ficou muito bem com a pandemia, principalmente quem tinha lojas de materiais de construção, que vendia tudo muito caro para o único segmento que não parou: o da construção civil. Farmácias faturaram como nunca com a compra de álcool, luvas, máscaras e demais medicamentos.
Eu, muitos brasileiros e pessoas no mundo todo não havíamos ado por isso. Uns poucos tinham conhecimento da última pandemia ocorrida: a da Gripe Espanhola. O que significava o tal confinamento? Que sequelas deixaria em cada um de nós? De repente, todos dentro de casa, sem poder sair, ear, interagir com outras pessoas. Nem com familiares. O comércio não aceitava ficar fechado, apesar de as pessoas não terem necessidade de consumir naquele período. A prioridade era comer e se manter vivo. E o país se dividiu entre notícias falsas, negacionismo, desvio de verbas destinadas para a saúde e o que foi pior: desentendimentos sem precedentes por ideologias políticas, causando um outro tipo de pandemia.
Só era permitido ir às farmácias e supermercados, padarias – para aqueles que ousavam se arriscar mais. Saíamos de carro, ávamos pelas ruas. Tudo fechado, sem vida, até os animais sumiram das ruas. Parecia tudo deserto e abandonado. Daí foi criado o tal auxílio emergencial e toda vez que era liberado, pudemos observar que algumas casas promoviam churrascos, provocando barulho e aglomeração, o que era proibido. Muitos animais foram adotados na época, bem como, muitos foram abandonados depois da flexibilização do confinamento.
Saber que não podia ver os meus irmãos foi doloroso. Mas com aquelas pessoas mais próximas, eu me comunicava todos os dias, através de mensagens, áudios e vídeos. Dávamos forças uns para os outros através de orações.
Eu havia saído para aposentar proporcional e seria a primeira vez que ficaria em casa, sem trabalhar. E, por força das circunstâncias, muitas pessoas também ficaram sem sair. De certa maneira, isso me ajudou, pois eu não senti aquela melancolia que costuma acometer as pessoas que deixam de trabalhar. Algumas entram em depressão. Como todo mundo parou, eu não senti o baque de ficar em casa, ociosa. Quem sofreu bastante foram os professores que tiveram que ministrar aulas remotamente, uma nova realidade para todo mundo. As escolas também estavam fechadas, mas para não haver perda total do ano letivo, o ensino ou a ser remoto. Professores ficaram exaustos e perdidos. Para as famílias essa modalidade de ensino era algo totalmente inusitado. Creio que todos criaram seus mecanismos de defesa, suas artimanhas para lidar com o confinamento e para não surtar. Comigo não foi diferente. Eu e meu marido ficamos muito próximos e com os nossos cães também, que agora tinham os dois em casa em tempo integral. O que muito nos fortaleceu foi assistir às missas de Aparecida. Eu, que não tinha esse hábito, agora entendia o motivo de minha mãe todos os dias assistir às missas com tanto fervor. Eu ei a conhecer todos os padres, o bispo e tinha predileção por uma ou outra homilia. Ouvir suas palavras era reconfortante.
Era desolador ver os padres celebrarem dentro de imensos templos vazios. Eles rezavam e pediam por todos. E as pessoas morriam às moscas, sobretudo, quando tinham que ser entubadas. Eu receava ar por isso e pedia ao meu marido: não deixe me entubar. Profissionais da saúde foram venerados, todos os que não eram idosos estavam na luta, vestidos como astronautas. Mas isso não impedia que fossem contaminados. Eles estavam esgotados e não havia quem lhes rendessem.
Havia aqueles que desdenhavam a doença e, geralmente, morriam após pegar a Covid. Ela era bem democrática: causava a morte do pobre e do rico, do endinheirado. Ninguém sabia qual seria a reação em cada organismo. Morreram várias celebridades, crianças, idosos, pessoas com imunidade baixa. As máscaras, que eram a único recurso disponível para nos proteger, foram ignoradas por muitos. E esses pagaram um preço. Bastante chocante foi ver pela televisão caminhões enfileirados carregando corpos de pessoas, idosas em sua maioria, lá na Itália. Aquelas cenas nos enchiam de medo e apreensão. As notícias divulgadas pela mídia também nos aterrorizavam. Os meios de comunicação mexiam diretamente com as nossas emoções, divulgando números absurdos de mortos, pessoas nas camas de hospitais, parentes fragilizados por perdas e túmulos perfilados. Foi um massacre. Quem era contaminado ficava isolado nos hospitais e, se fosse a óbito, não tinha uma despedida digna. Era enterrado rapidamente bem distante de todos. Se sobrevivesse, era aplaudido nos corredores.
Nunca deixei de usar a máscara. Não deixei de frequentar os inúmeros consultórios, nem deixei de me cuidar. Em casa, vestia minhas roupas como se fosse sair. Nos finais de semana, preparava alguma coisa diferente e eu e meu marido nos vestíamos como se fôssemos sair, enfeitava a mesa, tirava fotos e ouvíamos músicas. Voltei a ouvir e baixar músicas como há muito não fazia e fantasiava. Pus em prática dons culinários que precisavam de tempo para serem explorados. Agora eu tinha esse tempo. Não dormia excessivamente, levava a vida normal e, por muito tempo, minha saúde mental não foi afetada. Isso se deu em grande parte devido à minha fé em Deus e às missas que eu assistia. Com o ar do tempo, pudemos frequentar as igrejas, com limites de pessoas e distanciamentos. Só os casais, famílias, se sentavam juntos.
Nunca se vendeu tantas máscaras de tecido, que eram produzidas em todas as cores e estampas. Eu tenho um estoque delas. Cheguei a fazer marca no nariz de tanto que as usava. Não me aproximava de ninguém de fora de casa e recebia as correspondências com muito cuidado. O que vinha da rua era rigorosamente limpo com água e as roupas e calçados eram imediatamente lavados após qualquer saída.
Por incrível que pareça, só fui pegar a Covid dentro de uma igreja, em 2023, na Quarta-Feira de Cinzas, quando todos já haviam baixado a guarda. Eu e meu marido, nesse dia, não pusemos máscaras. Choveu após a missa, a igreja estava lotada e muitas pessoas ficaram acumuladas naquele espaço. Foi nesse ambiente que eu fui contaminada. Havia tomado com convicção as quatro primeiras doses da vacina que, em nosso país, demorou muito para chegar.
A pandemia do coronavírus causou um grande estrago na saúde mental de quase todo mundo por diferentes motivos: perda de familiares e amigos para a doença, desequilíbrio na situação financeira, o confinamento, medo da morte e do futuro, muitos casais se desfizeram, pois não aram ficarem juntos em família, enfrentando o que uma rotina massacrante pode produzir. Algumas pessoas relaxaram até demais e ficavam de pijama o dia todo. Várias mulheres aproveitaram para assumirem os cabelos brancos.
Eu também fui afetada depois de um tempo e acabei me tornando hipertensa, devido a crises de ansiedade. Foi um longo período em que questionamos nosso ado, o que não vivemos, o que deixamos de fazer, por nos sentirmos presos por um fio. A vida de todos se modificou e as pessoas se transformaram, nem sempre para melhor. Viveram no limite e as sequelas emocionais deixadas foram enormes. E, por fim, eu me revoltei quando percebi que era uma das poucas pessoas que mantinha o distanciamento, me privando de viver.
Impossível apagar as marcas que ficaram. Eu tenho roupas, calçados, perfume, músicas daquela época e quando olho para elas ou ouço alguma música daquele período, sinto um incômodo que julgava não ser capaz de me afetar.
Apesar de terem sugerido várias teorias para o aparecimento do vírus, incluindo um escape de laboratório, até hoje não sabemos ao certo o que fez surgir esse vírus tão letal. Porém, certamente, um dia saberemos o que de fato ocorreu. E que imploremos a Deus: “Pai, afasta de nós este cálice” para que não tenhamos tão cedo outra pandemia com tamanha devastação. Jesus ou todas as dores que lhe foram infligidas, nós, porém, somos fracos em demasia para isso.
Foto: internet
Maria Solange Lucindo Magno, professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Atuou como Inspetora Escolar na rede estadual – SEE
Técnica em Educação da rede municipal de ensino de Barbacena – aposentada
Amante de livros, cinema, teatro e música, enveredou pelos caminhos da escrita
Lançou em 2020 o seu livro de caráter intimista “Escritos Com o Coração”
Autora do livro digital “Uma Visão Racional e Emocional do Mundo”, lançado em 3 de dezembro de 2024, pela Editora BOL, do Barbacena Online
Autora de diversas crônicas
Possui publicações na plataforma Scriv
Comentarista na página do Leitor – Revista Veja
Foi aprovada como colunista do site O Segredo
Aprovada em cinco Antologias
Atualmente é articulista do Complexo de mídia eletrônica Barbacena Online
Instagram: @mariasolluc
Facebook: Maria Solange Lucindo Magno