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O Relógio da Matriz em Rio Espera

O relógio da Matriz não bate, ele fala.

Faz acordar a memória agradecida de um Vigário idealista. O nome de batismo dele era forte: Francisco Miguel. Francisco como o de Salles, nascido no castelo, de família nobre, formado em Direito, bispo e doutor da Igreja,  padroeiro dos escritores e jornalistas; Francisco como o Xavier, o jesuíta evangelizador chamado “Apóstolo do Oriente” e, finalmente, o Francisco de Assis, o jovem rico que abandonou toda riqueza, para estar pobre com os pobres, o irmão universal dos homens e da natureza. 

E Miguel? “Quem como Deus?” Miguel, o arcanjo forte que se coloca ao lado do pequeno, para proteger  a vida. 

Padre Francisco Miguel aculturou-se na simplicidade do povo da Piedade da Boa Esperança e, se deixou chamar Chiquinho.

 

No grego a palavra relógio é horologion: “quadrante solar que marca o tempo”. Também, na Língua grega,  tempo é cronos, isto é, tempo mensurável . Mas, é também, kairós, tempo que não se mede, que se recorda(re+cordis = que a, de novo, no coração).

 

Esse relógio, num tempo que não se andava com o celular à mão, marcava a hora do almoço dos operários da prefeitura: Tiané, Sô Luiz da Marina, Cristóvão, o jardineiro e tantos outros heróis anônimos. 

Esse relógio falava para o Sô Juquinha desligar o motor e parar as serras que cortaram  as tábuas para os bancos da igreja.

Esse relógio dizia para o Geraldo Banha que era tempo de  fechar o registro hidráulico, porque estava na hora da “boia”.

Esse relógio orientava o Pedro Nogueira a liberar os trabalhadores públicos, para que voltassem às suas casas, não sem antes arem no boteco do Zé Trant, para “molhar a garganta”.

Esse relógio sussurrava aos ouvidos do meu pai, Antônio Cornélio, que podia, “por hoje”, desligar a máquina do Beijo Ferreira, que em sinfonia aos ouvidos da Dona Dejanira, a mãe da Mariá, descascava o arroz nosso de cada dia. 

Até para o Zé do Marco, o relógio falava a hora de tocar a sineta e liberar a meninada para o recreio.

 

Finalmente, para o Eurico, o Tobias bíblico,  que exercia a obra de misericórdia de enterrar os mortos, o relógio anunciava que era hora de fechar os portões do Campo santo, para os falecidos descansarem em paz.

 

Esse relógio da matriz, não bate. Ele fala, mas só os sábios podem escuta-lo, porque ele não fala somente as ouvidos, ele fala, sobretudo, aos corações.

Tempus fugit…

 

                                                  

                                                  José Lellis da Silva

                                       Presbítero – Psicólogo – Professor 

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